
Você Não Me Achou Na Rua… Cadê o Brilho Que Estava Aqui?
7 de dezembro de 2017Por Joana Prado Medeiros*
A rua que mora em mim, tem alma. É feita de som e trabalho espasmo e suor! Contudo também é feita de laço e de nó de sonho lunares, de olhos espichados adiando o sono para contemplar a vida. Quando eu era criança uma de minhas canções preferidas dizia: “Se essa rua se essa rua fosse minha eu mandava eu mandava ladrilhar com pedrinhas com pedrinhas de brilhantes… Para o meu amor passar”.
Para os meus “senti-vocábulos” a rua nasce das diferenças e das semelhanças e destes inúmeros contornos presenciamos – Prédios, Casas, Edificações Comerciais e Muros que esquartejam e segregam as almas.
Coordenadas em meu coração vagabundo e transeunte encontro ressonâncias nas ruas há suor humano na argamassa dos seus calçamentos. É palco de todas as misérias e alegrias que testemunha cada casa que se ergue e cada casa que se vai. Por isso para mim cada rua é um ser vivo… Em eterna construção. As ruas são prolongamentos de nossas artérias, recordações e começos e recomeços, algumas são sinistras, estranhas ou conhecidas e amadas. Porém são vivas e pulsam gritando NOSSA ATENÇÃO.
Importante frisar “NÓS não ocupamos” um determinado espaço geográfico e social, pois não somos animais irracionais. “Nós criamos e conquistamos o nosso espaço físico-social em conformidade com o nosso tempo”.
Os lugares contem as nossas ações. E os eventos por sua vez não são apenas fatos isolados, mas também um conjunto de ideias sempre no presente eficaz, contudo as alterações dos eventos acontecem de forma rápida e quase instantânea e as vezes sem a devida participação popular.
O que se põe em pauta é a valorização do lugar e dos eventos/acontecimentos e seus significados que são abstrações individuais e coletivas extremamente importantes uma vez que a valorização do seu lugar no mundo define a nossa função enquanto cidadão atual e ao mesmo tempo nos confere “também” a funcionalidade do mundo em que se vivemos, pois é nele em nosso lugar que percebemos o nosso mundo, a nossa aldeia.
No obstante, é preciso “cuidados” com a cultura de massas que tenta colocar como se tudo fosse igual em todas as partes do mundo. Cada região tem as raízes na terra em que se vive, traduz o ser humano em seu entorno cada lugar tem as suas especificidades, sua história, sua característica é preciso encampar eventos/acontecimentos no sentido de enfrentar o mundo, o futuro sem ROMPER com o nosso lugar.
Certificado, carimbado e autenticado pelo tempo são as ruas de minha cidade natal, a rua da minha casa, da minha escola, da praça onde assistia meu irmão soltando pipa ou papagaios como alguns assim chamam… Cada um de nós carrega em seu coração uma Avenida, uma rua…
Como esquecer o vivido na Avenida Marcelino Pires? A Avenida principal de minha Dourados? Ou da sua cidade caro leitor, como você esquece? Como não se lembrar dos Restaurantes, da Soverteria que foi palco dos meus primeiros passeios? Do bar e restaurante Caneca, do Cine Ouro Verde, das Lojas Buri, Jaraguá etc… E mil etc. Cito locais de décadas anteriores com a intenção de evidenciar o viés de “pertencimento” e “identidade” com a referida Avenida… O mesmo com certeza fará o jovem que aqui vive quando um dia em um futuro distante recordar-se de suas façanhas e proezas nesta mesma rua.
Ah! Minha Avenida Marcelino Pires, impossível passar por você sem lembrar que a velhice começa a chegar… Então como toda rua encantada tem um bosque, e todo bosque tem esconderijos secretos que se chama solidão, felizmente dentro dele moram anjos que roubam corações.
O bacana é a via de mão dupla do bosque solidão, se eu roubei seu coração tu roubaste o meu também. Assim são as coisas, somos olhados por aquilo que olhamos, somos ofendidos por aquilo que ofendemos, somos feridos quando ferimos.
Cadê o brilho de nossa Avenida? Está nos olhos de quem a vê???… Está na ausência dos cidadãos que juntos enfeitam os canteiros! Está na QUADRA adotada por alguns? Está nas fachadas bem cuidadas, nas calcadas limpas… Está nos telhados feios e deformados… Cadê o brilho… Ande responda cadê a preservação do Patrimônio Cultural, dos bens materiais e imateriais… Cadê a cidadania?
A expressão do senso popular “você não me achou na rua” deve em tempos atuais ser repensada… Essa ideia de que “na rua” não é de ninguém ou que a rua não tem dono é démodé… Somos nós que fazemos a rua… A rua é de cunho coletivo, é responsabilidade social.
A pergunta que fere que não deve e nem pode calar é: – Se todos nós amamos e construímos as ruas e delas tanto necessitamos como então podemos despreza-las? Como jogar lixos e tantos outros objetos em seus cantinhos? Como macular o que nos representa e representados somos? Por que transferir responsabilidades somente a governantes, setores etc.
Quando vamos admitir que A RUA é que mora em nós?
Sine qua non!
* Professora MSc. Joana Prado Medeiros, douradense, graduada em História, especialista em História do Brasil, mestre em História e doutoranda em História. Professora na UNIGRAN Dourados (MS). Agora Colunista no Jornal MS Online.
Muito oportuno estes comentários em tua coluna.
Parabéns!
Sempre precisa essa Joana. Nos trás a reflexão sobre nosso comportamento diante de nossas responsabilidades. Uma palmada sutil em formato “quase” poético. Mas… cadê mesmo o brilho que estava aqui???
Ah, nossa cidade Dourada! Quando se erguerão as vozes para fazer brilhar os olhos de seus filhos? Gratidão, Joana, por suscitar em nós tantas reflexões sobre cidadania.
Cadê o brilho ✨ que estava aqui . Pois é minha prima , bem isso..
Realmente… cadê o brilho. Tenho saudades da minha rua….. tenho saudades da minha Dourados que nasci. Onde fiquei até a adolescência…. saudades. Muitas saudades da minha terra Natal.
BeComo deixar uma resposta a essa inquietante pergunta: … Cadê o Brilho Que Estava Aqui? Ainda mais partindo essa pergunta da lavra de uma pessoa instigante, tanto quanto a minha conterrânea Joana Prado Medeiros. Meu universo era exatamente restrito à rua Marcelino Pires e seu entorno, a casa que nasci ficava na rua Quintino Bocaiuva, antigo número 457, onde hoje está edificado o Edifício Dona Josefa, e como se dizia na singeleza daquele tempo me conheci por gente exatamente morando na Marcelino Pires, antigo número 748, onde meus pais tinha um comércio chamado “Casa Liberdade”. Do meu recanto encantado vi muito brilho, mas, muito brilho mesmo! Brilhos inesquecíveis das fogueiras juninas levantadas pelo Sr. Bertoldo Miranda Barros e sua família em frente a sua Pensão Mato Grosso; brilho da caldeira da Vulcanização Central do Sr. Carlos Genoud que começou como borracharia na Marcelino Pires, antigo número 734 e depois mudou-se na mesma rua em frente a Pensão Mato Grosso, só que agora em prédio de alvenaria; brilho do Parque do Bruno onde as luzes fascinavam meus olhos de menino, e ouvir a sonora e potente voz (mesmo que agora apenas como zumbido em meus ouvidos amoucados pelo tempo) do locutor Amâncio Ximenes convidando os passantes e aos que estavam no recinto a brincar nos balanços dizendo assim: “venham se divertir em nossos balanços venezianos – suaves como o voo de um pássaro e seguros como o Pão de Açúcar -” eu o comparo entre o Sérgio Chapelin e o Cid Moreira, não chegou ao rádio pois a televisão não existia nessa época por culpa da “marvada”; nesse mesmo local por vezes o brilho do Circo do Sr. Nina o qual com sua família formava a “troupe” mais simples e humilde que se podia pensar, mas que ao subir no palco montado no picadeiro transformavam-se em artistas completos capazes de trazer o largo sorriso da alegria espontânea e de um momento para o outro, como se diz num abrir e fechar de olhos nos colocar lágrimas sentidas pela emoção da tragédia que surge quando menos se espera, sem esquecer o também locutor Sabiá que lá trabalhava. Não me cansava de sair de casa à noite para assistir por muitas vezes a peça na qual o Sr. Nina cujo personagem era o palhaço debatia-se no dilema de fazer tantos sorrir, enquanto ele chorava por dentro por estar representando no palco as brincadeiras, cenas cômicas e risíveis, com a realidade em seu íntimo vivendo a sua amada esposa sendo velada e pranteada em sua casa, claro que eu sabia que era teatro, mas a sua atuação era tão perfeita e a verossimilhança tal que quase sempre eu chorava e essa lágrimas com certeza brilhavam; brilho da Casa Avenida gerenciada pelo Sr. Eizabro Yamamoto vindo de Flórida Paulista-SP, com a chegada quase que diária dos caminhões trazendo açúcar, querosene, farinha de trigo, sal, bebidas das quais as mais famosas eram: São João da Barra, Cinzano, Dreher, Presidente, as “marvada” Tatuzinho dos Irmãos D’Abronzo de Piracicaba, Katira de Rio Claro e Três Fazendas, e ainda os enlatados e conservas em vidros; brilho do Bar do Galvão, onde na verdade o que brilhavam eram os olhos dos jogadores de sinuca e bilhar, especialmente daqueles que estavam ganhando e dos espectadores que sorviam com os olhos cintilantes cada jogada perfeita; brilho da Fecularia Lobo, dos irmãos Wolff, onde brilhavam as polias a fazer girar pelo atrito das correias as engrenagens dos moinhos, e talvez mais que isso os brancos cabelos e os olhos azuis dos aguerridos e altivos deutschland (alemães); o brilho das máquinas de solda do Sakanini em sua oficina em frente ao convento das freiras, demolidos para dar abrigo a Casa Diocesana; o brilho das facas sendo afiadas nas chairas pelas mãos hábeis do Marinho e demais açougueiros da Casa de Carne Ideal do Sr. Olímpio; o brilho da lateral envidraçada da Casa Nocera, o brilho do letreiro de neon do Bar Galo Fino; o brilho eletrizante das cores da Fonte Luminosa da Praça Antônio João no dia da sua inauguração, eu estava lá levado pelas mãos benfazejas do tio Altino Mendes da Costa. O brilho … o brilho … o brilho dos pedregulhos da Marcelino Pires antes do asfalto chegar; o brilho das luzes dos postes de aroeira da Usina Filinto Müller (Usina Velha) e depois da Usina Fernando Correa da Costa (Fernandão) que acendiam por volta das 18:00 horas e as 22:30 davam o primeiro sinal para se apagarem às 23:00 h. Concluo concordando com a querida amiga Joana Prado Medeiros que diz: “Você Não Me Achou Na Rua …” Acabei de descobrir que eu não morei na Marcelino Pires como pensava, ela a Marcelino Pires não só mora, mas vive em mim!