Em ambos os lados, o discurso é de vitória. Se Orbán insiste que as posições da Hungria não são mais apenas de um estado isolado, o chefe da diplomacia da ONU tem outra visão. Segundo ele, a campanha contra o Pacto de Migração “fracassou” e o acordo internacional foi aprovado pela comunidade internacional.

BOLSONARO TRAZ UM “AR FRESCO” À POLÍTICA, DIZ CHANCELER HÚNGARO
11 de março de 2019 0 Por redacaoNuma sala decorada por Jules Leleu, repleta de ornamentos, com a figura de uma jovem com uma pomba da paz e recheada de simbolismos na sede da ONU em Genebra, a mensagem de Péter Szijjártó, chanceler do governo húngaro de Viktor Órban, soa como um golpe contra os cristais espalhados pelo local.
O jovem ministro de Relações Exteriores da Hungria recebeu a ÉPOCA para uma entrevista em que, sem qualquer tipo de constrangimento, avisou: a onda patriótica pelo mundo vai crescer ainda mais e parte de sua expansão é uma reação à hipocrisia dos partidos tradicionais. Mas, para ele, posições uma vez consideradas como polêmicas por parte de seu governo hoje ganham aliados pelo mundo. Um deles: Jair Bolsonaro.
“Em muitos aspectos, temos uma visão similar ao atual governo do Brasil”, disse. “O destino das comunidades cristãs pelo mundo, questões de segurança nacional ou identidade nacional”, aponta. “Acho que líderes como o do Brasil, o dos EUA, trazem ar fresco para a política global. Eles são corajosos suficientes para dizer que seus interesses nacionais são prioridades”, destacou.“Consideramos isso como uma visão muito patriótica e nós temos uma visão similar. Na Hungria, dizemos “Hungria em 1o Lugar”. Trump fala em “America First” e o presidente (Bolsonaro) diz “Brasil acima de tudo”, comentou. “Patriotismo é positivo. Nações fortes são fenômenos positivos”, declarou.
Desde 2014, Péter Szijjártó é a voz internacional de um dos líderes mais polêmicos da Europa, Viktor Orbán, que assumiu o governo de seu país em 2010 e, desde então, adotou uma linha que tem deixado até mesmo a direita tradicional europeia sem saber como reagir. Ao longo dos anos, ele mudou a constituição nacional, enquanto o cristianismo foi praticamente transformado em religião oficial.
Estarrecidas, as instituições europeias passaram a se debruçar sobre acusações de violações de alguns dos principais pilares da democracia e da independência da Justiça por parte do governo Orbán. Há poucos meses, o Parlamento Europeu o condenou por medidas que visam a minar a liberdade de imprensa.
Mas um dos principais pontos de atrito entre Bruxelas e Budapeste passou a ser o dossiê migratório.
Desde 2015, Orbán lidera um movimento de governos que se recusam a aceitar a entrada de estrangeiros, mesmo diante do fluxo de refugiados sírios em busca de proteção. Em seus discursos, o húngaro vinculou imigrantes à criminalidade e ao terrorismo, e prometeu um amplo pacote de uma generosa ajuda financeira para as famílias que desejarem ter mais filhos brancos, cristãos e húngaros. Algo similar havia sido sugerido em setembro de 2018 por Matteo Salvini, ministro do Interior da Itália e também líder de um partido da direita radical.
Tanto os italianos como o húngaros sofrem do mesmo fenômeno : o envelhecimento de suas populações. No caso de Budapeste, isso já significou a perda de quase 10% de sua população entre a década de 80 e hoje. Mas com uma taxa de desemprego das mais baixas da Europa, a Hungria se recusa a completar sua mão-de-obra com estrangeiros.
« Somos um país anti-imigração. Somos um país que não quer receber imigrantes », declarou o húngaro, um dos primeiros a denunciar o Pacto Global de Migrações, também rejeitado pelo governo de Jair Bolsonaro. Para ele, governos precisam proteger seu patrimônio, sua cultura e religião. Péter Szijjártó nega que exista o risco de que governos como o dele ou o do Brasil se transformem em párias internacionais. “Quando o Pacto Global de Migração começou, éramos apenas os EUA e nós. Fomos considerados como os assassinos da melhor iniciativa da história. No final do dia, 40 países votaram contra o projeto”, lembrou. “Esse fenômeno patriótico vai ser cada vez mais forte. O politicamente correto e hipocrisia ganharam muito espaço e as pessoas estão fartas disso”, atacou.
Seu argumento principal é de que não existe o direito a cruzar fronteiras. “Consideramos que a posição internacional sobre a migração é falsa e muito perigosa”, explicou o chanceler. “A comunidade internacional e, em especial, a ONU adota uma descrição tendenciosa do que é a migração, sugerindo que isso seja a melhor coisa que poderia ocorrer com a Humanidade, como se tivesse apenas aspectos positivos e que seria um direito fundamental. Não é o caso”, disse.
“Nossa visão é diferente. A migração não é um direito fundamental e a experiência mostra que ela coloca uma ameaça à segurança. Não aceitamos a definição da ONU de que todos os países sejam classificados como país de origem, de trânsito ou de destino de migrantes”, disse. “Queremos ter o direito de não ser nenhum desses três”, insistiu.
Questionado sobre o que fazer com milhões de pessoas na Síria ou na Venezuela que fujam de um conflito ou do caos, o chanceler sugere que esse fluxo seja mantido o mais perto possível da fronteira de seus países de origem. “No lugar de importar problemas para países que não tem problemas, precisamos levar a ajuda para onde é necessário”, defendeu. “Se essas pessoas viverem longe (de seus países), eles não voltarão. Aí a questão é para quem as administrações devem colocar as bases para a modernização das economias”, disse. Segundo ele, o governo húngaro tem financiado a reconstrução de casas, escolas e igrejas para cristãos no Iraque, cobrindo gastos com saúde e ajudando na integração. “Essa é a forma de lidar com a situação”, defendeu.
Mentiras – Não é por acaso que seu discurso é alvo de ataques na ONU, ainda que velados. Num alerta lançado durante a mesma sessão do Conselho de Direitos Humanos que Péter Szijjártó participaria em Genebra, o secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, fez questão de rebater o discurso anti-imigração, mesmo sem citar nomes ou países. “Estamos vendo um avanço da xenofobia, racismo e intolerância”, alertou.
“O discurso do ódio é uma ameaça aos valores democráticos, estabilidade social e paz”, insistiu. “Ele se espalha como fogo em uma mata pelas redes sociais, pela internet e pelas teorias da conspiração”, disse, apontando para o fato de mulheres, minorias e migrantes serem os mais vulneráveis. “Partidos considerados um dia como párias estão ganhando influência sobre governos e, a cada regra quebrada, os pilares da humanidade são enfraquecidos”, disse.
Guterres também deixa claro que a suposta vitória de partidos de direita contra o Pacto de Migração não foi baseado em fatos. “Vimos como o debate sobre a mobilidade humana foi envenenado com falsas narrativas”, disse. Para ele, a campanha contra o pacto foi nutrida por uma “inundação de mentiras”.