
Polícia traça perfil de pichadores e até grupos onde eles se exibem: ‘No outro dia você passa e admira o que fez’
4 de julho de 2018“A sensação de subir no topo de um prédio é a mesma de vencer obstáculo. É um desafio que a gente superou. No outro dia, você passa no local, olha para cima e admira o trabalho que foi feito”. A fala é de um pastor de 31 anos, que há seis deixou a pichação. Quando jovem, vivia nas ruas como hippie e tinha este tipo de crime como “forma de protesto”. Atualmente, contra tal atitude, direciona jovens a deixar a prática e substituí-la por grafite.
“O pichador quer ibope. Querem marcar território e, muito deles, querem dar voz para chamar atenção em forma de protesto, muita vezes contra política, preconceito e abuso de poder. Quanto mais alto o ponto para pichar, mais o autor tem respeito no grupo na qual faz parte e também nos grupos de pichadores. ”, explica.
Sobre o desejo de subir em pontos difíceis e em locais bem visíveis, o pastor comenta que era um ‘desafio diário’ imposto aos integrantes dos grupos. “Quando a pichação é feita em grupo, tem o ‘point”, local em que o pessoal se reúne. Ali a gente discute e, de preferência, tem der ser no mais alto. Se possível, é importante passar por cima de outras marcas, de quem já passou por lá. Em Campo Grande tem mais de 20 grupos de pichadores”.
O discurso, segundo o pastor, é no presente. A atitude criminosa, no entanto, ficou em uma passado que ele tenta, diariamente, se redimir conversando com jovens e ensinando sobre a arte de grafitar corretamente. Ele garante que nunca foi flagrado, por sorte, e faz alerta sobre os riscos da prática indevida.
“Já subi no topo de um prédio, pelo para-raio, por grades. É arriscado, mas o que vale é adrenalina. Em prédio da avenida Afonso Pena, já subi por fora e, quanto mais alto, mais respeito. Em prédios comerciais, tem uma tática de entrar todo arrumadinho. Pega o elevador no final da tarde e fica pronto para pichar, quando não tem mais ninguém no local. Há risco, mas, graças a Deus nunca passei por susto grande e nunca fui preso”, explica.
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Pastor deixou pichação há 6 anos e hoje ensina jovens sobre arte do grafite (Foto: G1 MS)
Outro pichador de 18 anos, que prefere não se identificar, fala que apanhou e já teve o rosto pintado pela polícia e, por conta da revolta, continua a praticar crimes do tipo. Diante a atitudes silenciosas, que deixam triste o amanhecer de muitos moradores, donos de prédios e imóveis, ao se depararem com o dano, a polícia tenta realizar rondas noturnas e punir pelo crime ambiental.
O ano de 2016, por exemplo, finalizou com o registro oficial de 111 pichações. No ano seguinte, foram 72 ocorrências. Em 2018, de janeiro até o dia 31 de maio, 15 boletins foram feitos, conforme estatísticas da Secretaria de Justiça e Segurança Pública (Sejusp-MS) apontam do número de ocorrências este ano.
“A Guarda Municipal intensificou as rondas em praças e isso tem reduzido o número de boletins de ocorrência. E quando o registro ocorre, a vítima vai até o plantão policial porque o crime, na maioria das vezes, ocorre durante a noite ou madrugada. Existem também casos em que o local já está com a estrutura danificada e a pessoa prefere reformar, sem comunicar o crime. Em caso de fachadas, por exemplo, o dono do local sempre tem esperança do pichador ser identificado e, em seguida, ressarcido”, explicou o delegado Marco Antônio Balsanini, da Delegacia Especializada de Atendimento ao Turista e Repressão a Crimes Ambientais (Decat).
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Prédio residencial e comercial pichado na rua Rui Barbosa, centro de Campo Grande (Foto: Graziela Rezende/G1 MS)
Sobre o perfil do pichador, a polícia fala que dois tipos foram identificados na cidade. No caso das atitudes, muitos deles acreditam que a pichação é uma “expressão artística”.
“É um crime ambiental, em que muitos adolescentes são flagrados e respondem a um procedimento na Deaij [Delegacia Especializada de Atendimento à Infância e Juventude]. O prazer de muitos deles é pichar e se gabar nos grupos, mostrando que ele conseguiu subir no local mais alto, mais inacessível, tendo dificuldade de altura, fachada com grade, cerca elétrica e concertina”, afirmou o delegado.
Marcas próprias e sobreposição
Entre os grupos de pichadores de Campo Grande, nos quais cerca de 20 foram identificados, a investigação apontou que existem “marcas próprias” feitas por eles. “Óbvio que nós identificamos um e, em pouco tempo, eles desmancham e depois abrem outros grupos. O prazer também é ir em algum local já pichado e sobrepor a marca do anterior”, disse.
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Prédio pichado na rua Barão do Melgaço está passando por reforma (Foto: Graziela Rezende/G1 MS)
Balsanini conta que, pessoas com 30 anos ou acima, na maioria dos casos, disseram também ser usuários de maconha. “Eles pedem as coisas de volta, spray e alguns até possuem desenhos que se aproximam de uma grafite. Quando flagrados, são autuados, ouvidos e respondem em liberdade. Em algumas das apreensões, achamos porções de droga e até a folha de seda, que remete ao consumo. No caso dos mais jovens, a maioria comentou que a bebida alcoólica dá mais coragem para conseguirem ultrapassar obstáculos e até usar capuz para realizar a pichação. Eles chamam inclusive de bolha, que é uma mistura de refrigerante com vodka, por exemplo”, explicou.
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Dono colocou imóvel a venda após pichações e ações de vandalismo em MS (Foto: Graziela Rezende/G1 MS)
Para os proprietários, os prejuízos são inúmeros. O diretor de Tecnologia da Informação, Gilson Yamaki, de 58 anos, comenta que está com imóvel a venda há 2 anos e meio. “Eu calculo ao menos R$ 6 mil para arrumar a pintura e danos no portão. As pichações começaram em 2014, aos poucos eles iam e voltavam. Eu cheguei a pintar e, em janeiro deste ano, a coisa ficou bem mais séria. Além das pichações, o local servia de banheiro público e palco para vândalos e usuários de drogas. Isto dificultou demais a venda e eu também cansei de pedir apoio das forças de segurança”, lamentou.