“Vai estourar”, diz brasileira professora em Harvard sobre a crise no Brasil

“Vai estourar”, diz brasileira professora em Harvard sobre a crise no Brasil

29 de maio de 2020 0 Por redacao

“Vai estourar”, diz Marcia Castro, de Harvard, sobre a crise no Brasil.

Gráficos, curvas e números que passaram a frequentar o cotidiano dos brasileiros durante a pandemia de covid-19 apontam para uma direção: o desastre. As contas nem são tão complexas. Sem atenção básica de saúde voltada para as disparidades sociais do Brasil, a necessidade de ajuda financeira para a população vai se prolongar. Numa economia já combalida, o resultado é previsível.

“Vai estourar”, prevê a demógrafa Marcia Castro, primeira e única mulher brasileira a ocupar uma cadeira de professora titular na cobiçada Universidade Harvard, no Departamento de Saúde Global e População.

“O problema não é injetar dinheiro na economia, que é até recomendável em crises como a que vivemos, mas, sim, o governo não fazer a segunda parte do dever de casa, que seria colocar em ação um programa de controle e isolamento social organizado para a complexidade do Brasil. Isso vai gerar uma dívida imensa com pequeno benefício social”, afirma Marcia.

O mais triste, acrescenta, é que o país desperdiçou a chance de ter sido um exemplo no combate à pandemia, já que é um dos poucos países com uma rede de saúde universal (SUS) e possui uma rede de saúde pública que cobre 75% da população brasileira. O governo federal ignorou, entretanto, toda essa rede.

“Desde o primeiro protocolo de manejo da doença, ainda com o [então] ministro [Luiz Henrique] Mandetta, o foco da ação do governo foi o tratamento clínico, e não a ação preventiva”, comenta a professora, que mantém contato com vários grupos de cientistas brasileiros que estudam e procuram contribuir para o combate ao novo coronavírus no Brasil.

Quando se formou em estatística na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), em 1986, Marcia não se imaginava como professora de Harvard. “Nunca tive essa meta, as coisas foram acontecendo. Hoje estou mais para a música do Zeca Pagodinho: ‘Deixa a vida me levar’”, diz a carioca de 55 anos, filha de um pequeno empresário, imigrante português,criada na Tijuca.

Embora tenha passado os últimos anos nos EUA – dez anos na Universidade Princeton, outra universidade do primeiro time mundial, onde concluiu com louvor o Ph.D., depois em Harvard -, Marcia não se afastou do Brasil. O foco de seus estudos é a malária e doenças transmitidas por mosquitos na Amazônia, para onde viaja continuamente há 20 anos.

Seu trabalho, que une pesquisa de campo (“imprescindível”, ressalta), dados de satélite e cálculos matemáticos, provou a ligação causal da transmissão das doenças com fatores ecológicos, como desmatamentos e avanço da atividade humana na floresta.

Marcia estava se preparando para mais uma viagem à Amazônia em junho, mas teve de cancelar por causa da pandemia. A Universidade Harvard programou retomar as primeiras atividades (dos laboratórios) em setembro. As aulas continuarão a ser remotas, porque a curva da doença está baixando no Estado onde leciona, Massachusetts.

A retomada das atividades é outro problema para o Brasil. Só pode ser feita se houver controle dos infectados, com rede laboratorial capaz de fazer testes rápidos. Se isso não for realizado, há risco de novas ondas da epidemia, e não se sabe com que força. Por enquanto, o Brasil é um dos países que menos faz testes no mundo. “Não tem plano para retomar a atividade econômica. Cadê o plano?”