Violência doméstica tem a maior escalada em 10 anos em Campo Grande

Violência doméstica tem a maior escalada em 10 anos em Campo Grande

13 de setembro de 2022 0 Por jornalismo

Campo Grande tem, em 2022, o maior número de casos de violência doméstica registrado pela Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) dos últimos 10 anos.

O índice saltou de 3.485 ocorrências catalogadas em 2012 para 4.529 este ano, de janeiro a agosto de ambos os períodos, ou seja, 29% a mais que as notificações recebidas pelo departamento há uma década.

Nas estatísticas, o cenário pouco se altera de um ano para o outro. O Correio do Estado analisou todos os registros datados desde 2012, primeiro ano em que se há registro no site da Sejus, e constatou que, antes de 2022, 2016 foi o ano com mais casos, com 4.369 registros.

MEDIDA PROTETIVA

Entre essas vítimas está uma mulher de 52 anos, que terá a identidade preservada, mas que precisou entrar com medidas protetivas contra o ex-companheiro por violência doméstica, expressa por meio de violência psicológica, moral e sexual.

Para preservar sua identidade, ela foi chamada de Ana. Ela revelou ao Correio do Estado que o ex-marido quebrou recentemente a medida, estabelecida em 2021, que obriga o ofensor a manter 300 metros de distância da agredida.

A ordem judicial foi descumprida quando o ex-cônjuge entrou no prédio onde Ana mora, acompanhado de um chaveiro, para impedir que ela tivesse acesso ao apartamento onde os dois residiam, mas que agora é ocupado por ela.

Conforme a mulher, um dos porteiros do prédio teria imaginado, erroneamente, que o prazo de validade da medida havia expirado e autorizou a entrada do ex-marido no local.

O problema habitacional é o motivo do contínuo estresse da vítima. Segundo ela, o apartamento pertence à família ex-esposo. “A família quer me tirar daqui para tentar abafar o caso, não deixar o pai dele saber o que aconteceu”, relatou.

De acordo com a vítima, a intenção não é ficar no apartamento, mas como não tem trabalho, tampouco renda, está usando o imóvel.

“Quero entregar para a dona, apenas”. Ana está sem energia elétrica há pelo menos dois meses e conta com a ajuda de uma amiga para abrigá-la quando se sente ameaçada.

INSEGURANÇA

Com medo e sob constante insegurança, a vítima explicou como a história com o então marido começou a desandar.

“Nós eramos vizinhos, aí juntamos os trapinhos, ficamos um ano e seis meses de relacionamento. No começo, ele era um Don Juan, até pensei que tinha encontrado o amor da minha vida depois de velha. Mais tarde, tudo foi mudando. Eu não podia trabalhar, tinha de ficar em casa, disponível. Eu fui afastada da minha profissão. Desde então, fazia diárias como empregada doméstica”, acrescentou.

Sobre o ex-companheiro, Ana evidenciou que já vinha sofrendo violência moral, psicológica e sexual há algum tempo, mas que só conseguiu forças para denunciar após o companheiro a deixar sem dinheiro e comida.

“Tinha só besteiras, doces, essas coisas sabe, mas a gente comia marmita, não tinha compra. Foi aí que eu tomei coragem para tomar as medidas cabíveis. Fui até a Delegacia da Mulher [Deam] e lá fui orientada. Constatou união estável, e eu pude pedir a medida protetiva”, frisou.

Ana relembrou que nunca pôde ter as chaves do apartamento onde morava com o ex-marido.

“Eu vim ter a chave daqui  exatamente no dia 7 de setembro do ano passado, quando pedi a medida”, finalizou. Hoje, Ana faz tratamento psicológico e uso de antidepressivos.

PSICÓLOGO

Em entrevista ao Correio do Estado em maio deste ano, a psicóloga Izabelli Coleone ressaltou que os altos índices de violência contra a mulher podem ser explicados pelo contexto social brasileiro.

“A gente pode ver um contexto até mais social do nosso País, em que durante muitos anos foi desenvolvida uma hierarquia, querendo ou não, em que os homens acabavam tendo certo domínio em relação à mulher, tanto social quanto no quesito emocional. E a maioria dessas agressões coincide com o momento em que essa mulher decide dar voz ao que ela está sentindo”, explicou a psicóloga.

FEMINICÍDIOS

Conforme a matéria publicada pelo Correio do Estado em julho, em Mato Grosso do Sul, 531 mulheres foram mortas ou vítimas de tentativa de feminicídio entre 2016 e 11 de julho de 2022. Dessas, 252 chegaram a solicitar medidas protetivas contra seus agressores.

O número equivale a 47% do total de mulheres. Até dia 13 de julho, 16 vítimas tinham medidas protetivas. Os dados são do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS).